A sala de aula invertida nem sempre é a solução

Joao Silveira
4 min readJul 5, 2021

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Também conhecida por “flipped classroom”, o conceito da sala de aula invertida (SAI) é, em linhas gerais, a inversão do modelo tradicional de ensino e aprendizagem: o aluno tem acesso antecipado a materiais acerca de determinado tema e o tempo na sala de aula é utilizado para debates e atividades práticas. Em resumo, o “dever de casa” passa a ser o estudo antecipado do tema.

Ao romper o tradicional ensino transmissivo e colocando o aluno em um papel mais ativo no processo de ensino-aprendizagem, a SAI vem sido considerada uma disrupção pedagógica, pois, dentre outros pontos positivos, esse modelo tira o professor de um patamar inalcançável, possibilita maior troca em grupo com acompanhamento do professor, e fortalece conexões e o relacionamento entre docentes e discentes.

Quando ao pacote é adicionado o uso de tecnologias digitais, o modelo de sala de aula invertida passa a ser apresentada como uma modalidade “e-learning” ou como uma opção a ser aplicada na educação híbrida, mas, afinal, estamos aplicando a SAI da forma correta?

Segundo um dos defensores do modelo, Jon Bergmann, um dos grandes propósitos da SAI é utilizar o estudo antecipado como um recurso para possibilitar, durante o tempo em sala de aula, a aplicação de metodologias ativas e promover a construção da aprendizagem em grupo, utilizando qualquer grau de tecnologia acessível para os alunos.

A prática muitas vezes distante da teoria

A justificativa mais utilizada para a ampla implementação da sala de aula invertida é a de que o tempo em sala é curto e que o professor não dá conta de todo o conteúdo. Ora, se estamos com um problema de tempo, não seria o mais adequado revermos essa questão específica ou o volume do conteúdo obrigatório?

No entanto, o que está sendo visto na prática é a substituição do professor por vídeos, falta de capacitação do professor para aplicação do modelo e dos alunos para melhor aproveitamento, monitoramento escasso dos alunos e, muitas vezes, interesses econômicos em detrimento de interesses pedagógicos.

Simplesmente transferir a responsabilidade do aprendizado prévio para o aluno é perpetuar que somente os alunos mais aplicados terão os melhores resultados e esperar que todos tenham habilidade de autodidatismo, o que não é real!

A adoção errônea da SAI resulta em gestores escolares precisando lidar com pais frustrados, com cada vez mais dever de casa para acompanhar e se questionando por quê precisam pagar escola;alunos se sentindo na obrigação de irem preparados para aula, mas não necessariamente absorvendo o conteúdo adequadamente para encarar com segurança uma atividade prática em sala de aula com os colegas; professores com seu planejamento de aula fracassado, pois muitos alunos não fazem o estudo prévio como esperado, e sem saber como lidar com isso. Ou seja, todos os envolvidos saem perdendo nessa equação.

Para quem está sendo realmente positiva essa forma de aplicar a SAI?

Apesar da rápida acolhida acadêmica e midiática do modelo de sala invertida (SAI), a aplicação dessa estratégia na posição de “metodologia disruptiva” é questionável. Quando confrontados os resultados dos estudos com a literatura, passamos a compreender que o estudo prévio não é o que genuinamente gera os bons índices de desempenho nas observações. Na verdade, são as características de aprendizagem ativa no encontro presencial que influenciam o desempenho positivo dos estudantes, mas, em muitos casos, quando há o interesse prévio do aluno pelo assunto (ensino médio e universidades).

Portanto, entender a fundo esse modelo de trabalho na educação e aplicá-lo, não para acelerar o conteúdo dado e o cumprimento do currículo escolar, mas para aprofundar conhecimentos por meio da prática, fortalecendo conexões, relacionamento e habilidades comportamentais, é o caminho para alcançar resultados positivos reais.

Não há como desconsiderar que há um crescente mercado de conteúdo com interesse em fomentar e, consequentemente, fornecer material para esse modelo invertido. Até onde o interesse é pedagógico e a partir de onde estamos permitindo que interesses econômicos prevaleçam sobre a educação?

É perceptível que o fomento da educação híbrida estimula o mercado de produção, publicação e comercialização de conteúdos de ensino e de variadas ferramentas para criação de apresentações, murais virtuais e até avaliações “online”. Por esse motivo, há a preocupação de que interesses econômicos possam se sobressair às políticas educacionais.

Considero de grande relevância, o artigo de Marcelo Valério e Ana Lúcia sobre a SAI. Todos os pontos elencados precisam ser considerados pelos educadores e instituições que eventualmente consideram a simples inversão da sala de aula como um remédio para todos os problemas de desempenho educacional. A intenção não é desconsiderar os resultados positivos e a relevância do modelo, mas ampliar o debate trazendo a tona pontos de atenção expressivos sobre a forma como vem sendo aplicado.

O estudo antecipado pode ser um ótimo recurso acessório para utilização eventual, mas não pode ser considerado como a solução para problemas de engajamento e desempenho dos alunos, muito menos para resolver o problema da sobrecarga do educador.

Essa metodologia não funciona para todos os envolvidos e nem em todos os contextos. A recomendação é utilizá-la com prudência, de forma gradual e com constante análise crítica, preferencialmente após despertado o interesse dos alunos sobre determinado assunto.

Se a opção da escola for a aplicação da metodologia SAI como principal, é preciso definir, esclarecer e alinhar com alunos e pais o tempo de dedicação necessário fora da sala de aula e orientar como melhor aproveitar o formato, para que não se torne mais um dever de casa sem resultados reais.

Qual sua visão sobre essa prática e como considera a melhor forma de aplicá-la?

Originally published at https://artsci.substack.com on July 5, 2021.

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