Pandemia e a suspensão das aulas

Joao Silveira
6 min readMar 24, 2020

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Como minimizar o impacto ao ano letivo com a suspensão das aulas nas escolas e universidades

Crédito: foto Canva’s free images

Com a suspensão que vem ocorrendo em praticamente todos os países, como escolas, universidades e professores estão preparados para lidar com essa situação? Na China, uma plataforma de ensino online foi lançada como alternativa às aulas presenciais no auge da epidemia. Na Itália, as escolas foram fechadas e as instruções passadas para pais e alunos variam em cada região. Na França, na primeira semana sem aulas, a instrução de muitas escolas foi para os professores fazerem ligações telefônicas para passar orientações para os pais e estudantes. Posteriormente foi lançada uma plataforma nacional de ensino à distância, mas que tem muitos problemas e limitações. Nesse cenário, o primeiro diagnóstico é de que as escolas e universidades não estão preparadas para lidar com o ensino a distância, embora não faltem tecnologias disponíveis.

Nesse cenário, o primeiro diagnóstico é de que as escolas e universidades não estão preparadas para lidar com o ensino a distância, embora não faltem tecnologias disponíveis.

Diante dessa situação, segue uma breve análise das lições que estamos aprendendo com a suspensão de aulas na Europa e a sugestão de recursos e medidas para atuarmos durante esse período emergencial.

LIÇÕES IMPORTANTES

  • Os professores em sua grande maioria são formados para a educação presencial, mas considerando essa situação de emergência, devem passar a atuar como tutores online, mesmo que sem a formação adequada para esse tipo de pedagogia.
  • Estudantes de muitas regiões não possuem computador em casa e/ou não têm acesso à internet banda-larga. Por outro lado, a grande maioria têm acesso ao conteúdo online via smartphone. O problema é que a maior parte dos conteúdos em plataformas digitais de escolas — quando existem — não têm um design atraente para os estudantes e/ou não estão adaptadas para a versão mobile.
  • Não faltam ferramentas de aprendizagem online: vídeos, jogos, sites de exercícios, podcasts, além de uma infinidade de plataformas com recursos interessantíssimos como, por exemplo, a Khan Academy. Mas os desafios são diversos e vão desde se familiarizar e fazer a seleção de quais recursos são os mais adequados para cada caso até encontrar formas de diálogo desses recursos com os currículos tradicionais e menos flexíveis.
  • Em geral, os pais não estão acostumados com o conceito do estudante aprender online através de interesses pessoais, uma vez que consideram que a verdadeira aprendizagem deve ser por meio de livros, em sala de aula, utilizando conteúdo alinhado com as demandas tradicionais e sendo imprescindível a presença física do professor.
  • No caso dos estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental 1, a maior parte das atividades, orientações e recomendações são preparadas para os pais ou para os acompanhantes das crianças, uma vez que estas ainda não têm autonomia para o ensino a distância sem acompanhamento constante. Se já é um desafio criar atividades para os estudantes, prepará-las para intermediários é um desafio ainda maior.

RECURSOS DISPONÍVEIS

  • Webinários: são uma alternativa eficiente para os professores apresentarem conteúdos expositivos de maneira semelhante ao que estão habituados em sala de aula e manterem o contato com os estudantes. No entanto, requer que os professores estejam familiarizados com esse recurso.

Inicialmente, é muito importante ter atenção com as questões técnicas básicas como: escolher qual plataforma utilizar, ter uma boa conexão com internet, preparar o espaço físico adequado, ter microfone e iluminação apropriados e, principalmente, testar tudo isso previamente.

Uma vez resolvidas as questões técnicas, é preciso que os professores estejam atentos para o fato de que não se trata de aula tradicional. Diferente do que acontece na escola, onde os estudantes são “obrigados” a ficar atentos e sentados, nos webinários os estudantes estão livres para se movimentar livremente, física e virtualmente. Por isso, os webinários devem priorizar exposições curtas, bem roteirizadas e com uma apresentação visual atrativa. Sobretudo, deve permitir que aconteça a participação dos estudantes em tempo real e interação entre eles e com professor.

Zoom é plataforma que utilizo. No entanto, ela tem limitações de tempo na versão gratuita. Neste link estão algumas alternativas e aqui algumas dicas de como fazer um bom webinário.

  • Redes Sociais e aplicativos de troca de mensagens: são grandes aliados como ferramentas de aprendizagem e ideal para o compartilhamento de vídeos, podcasts e outros materiais de acordo com os assuntos relevantes para cada disciplina. Essa forma de interação permite que o professor mantenha contato individualizado com os estudantes, promova a aprendizagem por pares e ainda faça uma mediação do compartilhamento de conteúdos. No entanto, ser um mediador não é simples e exige tempo, técnica e paciência.

Links:

Artigo com orientações para uso do Facebook na educação.

Artigo sobre possibilidades pedagógicas do WhatsApp.

Artigo com características fundamentais de um bom tutor.

  • Exercícios online: existem diversos sites com exercícios, games e outros materiais educacionais relacionados a conteúdos escolares. É verdade que muitos professores conhecem esses recursos e já utilizam esses materiais, mas muitos ainda consideram esses exercícios como atividades extraclasse e não estão familiarizados com as tecnologias. O importante é que cada professor, uma vez familiarizado com o recurso, faça uma seleção de sites com conteúdos que considera importantes. Embora não faltem opções online, o papel do professor é crucial como curador do que é relevante e apropriado de acordo com a realidade de seus estudantes. Além disso, é preciso criar estratégias de comunicação e interação com os alunos para que seja possível acompanhar e apoiar o seu processo de aprendizagem.
  • Arteciência e transdisciplinaridade: diferente do ensino presencial onde as horas (ou tempos escolares) são divididos por disciplinas e cada professor tem sua programação, os espaços online não tem essas divisões claras. Os conteúdos e interesses estão distribuídos em diferentes janelas virtuais. Portanto, é necessário que os professores de uma mesma escola ou universidade se comuniquem, estejam alinhados entre si e compartilhem objetivos que ultrapassem as barreiras das disciplinas. Nesse sentido, projetos com a abordagem da educação STEAM, que eu também chamo de Arteciência, tem grande importância. Os projetos propostos podem variar de acordo com a realidade de cada escola e de cada estudante. Por exemplo, os professores podem propor para os estudantes: escrever um livro digital ou analógico, aprender uma linguagem de programação de maneira prática, criar um game, pintar quadros, fazer arte virtual, fazer um podcast sobre determinados temas, criar músicas ou aprender a tocar um instrumento, fazer um filme ou fazer uma exposição virtual. Enfim, as possibilidades são infinitas, desde que respeitados os interesses dos estudantes.

No entanto, é preciso atenção: há uma grande possibilidade de que “criar um perfil no Instagram” ou “criar um canal no YouTube” seja a primeira escolha dos estudantes para fazer um projeto. Em ambos os casos, sem dúvida, isso pode ser considerado um projeto, mas para que o processo de aprendizagem não acabe no primeiro post, será necessário engajar, desafiar e dar suporte aos estudantes.

  • Guias didáticos e materiais impressos: todas essas dicas anteriores podem ser direcionadas para os próprios estudantes ou, no caso do Educação Infantil e do Ensino Fundamental 1, para os pais e cuidadores. Nesse caso, as escolas e professores podem fornecer adicionalmente guias de atividades e materiais pedagógicos impressos que poderão ser úteis para realização de atividades educacionais em casa.

Para além das medidas pedagógicas, há uma série de outras medidas que a escola deve estar preparada para enfrentar. É importante, desde já, que os setores jurídico e de recursos humanos tenham um plano para lidar com as questões relativas ao trabalho do professor a partir de casa. Além disso, será necessário um forte trabalho de comunicação com pais e estudantes para que esta situação seja contornada e superada da melhor forma possível.

É importante salientar que não acredito que a educação online substitua a escola presencial em todo o seu complexo papel de formação do indivíduo e na promoção de relações sociais. No entanto, é fato que este é um momento ímpar para repensarmos os modelos pedagógicos atuais, reforçarmos o papel das instituições de ensino e dos professores e aprimorarmos as ferramentas de aprendizagem mediadas por tecnologias. A escola está diante de um problema real, mas é com problemas reais que aprendemos de verdade.

A escola está diante de um problema real, mas é com problemas reais que aprendemos de verdade.

Atualização do texto publicado originalmente em 13/03/2020 no site http://artsci.fr/.

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